Instantes após
surgimento da Vida... Surge a Morte. O tempo foi passando e seres cada vez mais
complexos foram aparecendo, não demorou e logo os humanos já haviam dominado o
mundo. Com o passar dos séculos a humanidade foi evoluindo, a Vida e a Morte
sempre ao lado foram se personificando e adquirindo características quase
humanas.
E aqui nossa história
começa. Acho interessante fazer uma breve explicação, Vida e Morte podem estar
em vários lugares ao mesmo tempo, então acho bom acreditarem na história que
aqui relato, pois, sem que saiba, “Ela” pode estar ao seu lado te observando,
como está ao meu, me dizendo o que tenho que escrever. De volta ao que importa.
Morte estava sentada
na janela do 14° andar do Empire State. Usava um vestido branco, feito de algum
tecido desconhecido por nós, humanos, que ia até pouco acima dos joelhos, seus
olhos verdes se destacavam na pele pálida. O cabelo loiro e liso perfeitamente
arrumado a frente dos ombros fazia com que a confundíssemos com o que alguns
chamam de anjo. Contudo, a foice, de cerca de um metro de comprimento, com a
lamina negra contradizia a imagem de anjo.
Estrategicamente
posicionada Morte apenas esperava que a meia noite chegasse. Ela olhava
ansiosamente para o céu, apesar dos inúmeros relógios na cidade ela preferia se
orientar pela lua. Não faltava mais do que dez minutos para meia noite e Morte
ainda não havia tomado a sua decisão.
Há meses durante um
incêndio em que esteve presente Morte se deparou com algo que não podia
enfrentar. Era um dia normal, numa família normal, quando, por acidente a mãe
esqueceu a lareira acessa, não demorou muito e toda a casa estava em chamas. O
pai e a mãe correram para o ultimo andar com o bebê, tentaram desesperadamente
pedir ajuda para algum vizinho, mas era inevitável, desde o começo do incêndio
a foice já havia sido passada. Não que Morte gostasse de levar a alma das
pessoas (infelizmente não posso dizer para onde), mas após milhares de anos mantendo
o equilíbrio ela já estava acostumada.
Preparava-se para
abandonar o local, os bombeiros já tinham apagado o fogo, os corpos estavam
sendo retirados, quando um garoto de 17 anos, deduzira ela, sai da casa. Tinha
lágrimas nos olhos, o cabelo queimado, e o rosto sujo. Os bombeiros o
socorreram e ele foi levado dali, mas Morte não esquecera seu rosto.
Desde então Morte
começara a acompanhar cada passo do jovem, sentia vontade de levá-lo, de
retirar de uma vez só a alma de seu corpo. Sabia que não poderia fazer isso,
era contra as regras, mas a cada dia que se passava a ideia se fortalecia em
sua mente.
Os relógios de Nova
York apitaram, era meia noite, e Morte havia tomado a sua decisão. O garoto
estava saindo do prédio, trabalhava lá, e sem pensar duas vezes ela se jogou do
prédio com a lamina estendida, pronta a atravessá-lo, diriam que o jovem sofreu
de uma parada cardíaca hereditária e que morreu, em frente ao Empire State
antes que o socorro jogasse.
Faltavam apenas alguns
metros para que a lâmina atingisse o garoto, quando um clarão, que só a Morte
pode ver, a interceptou. O garoto que estava perto desmaiou de repente, sem que
ninguém soubesse o porquê. Ou melhor, sem que nenhum humano soubesse o motivo.
Morte se ajeitou, e
ficou de pé para encarar o ser que agora olhava fixamente para ela. Era alta,
usava calças jeans e uma jaqueta preta de couro, botas da mesma cor de que a
jaqueta cobriam seus pés. Os cabelos castanhos e encaracolados formavam um rabo
de cavalo, o rosto moreno e os olhos cor de mel lhe proporcionavam uma beleza
indescritível. Levava consigo uma foice, que diferente da foice de Morte
possuía uma lamina prateada.
- Vida. – disse Morte
já pensando no sermão que iria ouvir.
Pessoas começavam a se
aglomerar em volta do jovem desmaiado.
- Você não tem o
direito de levá-lo por sua vontade, você apenas encaminha as almas, a natureza
diz quando elas devem ir. – Se os humanos pudessem ouvir tenho certeza que
teriam todos ficados encantados com a voz de Vida.
- Uma alma a mais ou a
menos não vai fazer diferença! – gritou Morte em resposta.
- O garoto merece a
chance de viver. – disse Vida seriamente.
Morte gritou, seu
grito ecoou por toda estrutura do prédio. Os olhos cheios de lágrimas foram a
ultima coisa que Vida viu antes que ela desaparecesse. Vida foi até o garoto e
encostou sua foice em seu peito, quase que imediatamente ele abriu os olhos.
Morte agora se
encontrava num quarto escuro, seu cérebro trabalhava desesperadamente numa
tentativa vaga de mantê-la presa a razão. “O
garoto merece a chance de viver”. Foram
essas as palavras de Vida, mas Morte sabia muito bem que elas não diziam apenas
isso. Não havia como vencer, ainda com lágrimas nos olhos ela esticou sua foice
e num movimento rápido a atravessou em seu peito.
O dia transcorreu bem
para todos, exceto para Vida, ela realizou normalmente seus afazeres, dando a
vida a cada ser vivo que nascia e curando todos aqueles que a natureza lhe
indicava. Já era quase meia noite quando reparou que não havia cruzado uma vez
se quer com Morte em seu dia hoje. O medo recaiu sobre ela, procurou o jovem de
ontem e lá estava ele, vivo, dormindo em sua cama. No entanto Morte não estava
por perto.
Vida saiu da casa do
garoto, buscou em diversas casas do bairro, mas não a encontrou. Estava fazendo
sua ultima tentativa nas casas na proximidade quando entrou numa na qual a TV
havia sido deixada ligada, o noticiário informava algo urgente. Ela parou para
assistir, se fosse um desastre natural, um terremoto, um ataque terrorista
Morte certamente estaria por lá.
As palavras da
jornalista conseguiram surpreender Vida, ela informava que ninguém sabia o
motivo, mas que hoje não fora sido perdido no mundo uma vida sequer.
Imediatamente Vida resolveu ir ao ultimo lugar em que pensou que Morte estaria.
O lugar que ela supôs que Morte nunca mais voltaria, o lugar onde elas
acreditavam ter surgido, seu medo havia se tornado realidade.
Quando entrou no
quarto escuro teve que abafar um grito, o quarto que antes dividira com Morte,
antes mesmo de a humanidade surgir, agora servia apenas como cenário para uma
cena de crime. A foice de morte se encontrava jogada no chão, sob ela o vestido
que Morte sempre usava, com algumas manchas vermelhas.
Os olhos de Vida
lacrimejaram. Lentamente ela se abaixou e tocou a foice, não só o poder de
Morte fluiu através dela como também a memória e os sentimentos. O nascimento,
os grandes acontecimentos em que teve que trabalhar e o fato mais recente, o
incêndio. O momento em que ela avistou o garoto saindo da casa e dentro dela um
sentimento começou a surgir, os dias em que desejara ser mortal para poder
estar ao lado do garoto, o momento em que decidira levar a alma do jovem para
que ele pudesse “viver” junto a ela.
Vida saiu do quarto,
carregava agora duas foices, era a Vida e a Morte num único ser. Por sorte ela
veio até mim, e me pediu para relatar essa história. “Ela”, talvez me leve
quando eu acabar, ou talvez apague minha memória, mas agora que sei dessa
história posso afirmar que muitos se lembram desse dia como o dia em que não
houve mortes no planeta, mas eu me lembrarei desse dia como o dia em que a
Morte morreu por amor.