“As máscaras que os
criadores da filosofia usavam nos seus teatros, foram hoje substituídas pelo que chamamos de personagem. Uma
máscara não física que esconde o próprio ator. E libera, para satisfação do
público, alguma incrível figura. Figura essa que nos faz rir... Nos faz chorar...
Consegue criar um laço com o público. Enfim, ela nos cativa. Esse texto é
baseado no processo de fabricação desse véu. Ou, na mais provável das hipóteses,
na loucura que acerca a mente do autor.”
***
Por um minuto ela parou e analisou novamente a maquiagem. Os olhos pareciam
desenhados pelo delineador, as bochechas levemente avermelhadas e a cara um
tanto mais pálida do que o comum. Tudo perfeito. Faltava apenas um último
acerto. Algo que todos os outros julgariam como um detalhe, mas para ela o
“detalhe” não era um detalhe comum. Era um daqueles detalhes que merecia ser
revisado, como o zíper das calças.
Sentada de frente para a penteadeira, deixou que seus olhos se confrontassem
com o seu reflexo. Os olhos cor de mel
encaravam-se. Ela fez o primeiro movimento, arqueando as sobrancelhas. Ela repetiu. “Droga”, pensou frustrada. Respirou fundo e colocou a língua para
fora. Não deu certo, ela também a imitou. Tentou pular, mas elas aterrissavam
juntas. Tentou dançar, mas ela já sabia os passos. Tentou até fazer
malabarismo, então lembrou que não tinha esse talento.
Estava quase na hora e ela ainda não tinha atingido seu objetivo. Estava tensa
e suada. Levantou-se, ligou o ventilador e com um pequeno lenço enxugou o suor
da testa. Jogou o lenço para o lado. Ela pegou. Um sorriso apareceu em seu
rosto, ela tentou imitar mas não foi tão rápida. Correu para frente do espelho,
estava no caminho certo.
Dessa vez ela aterrissou primeiro. Rodopiou antes que ela pudesse se mover.
Tentou fazer malabares. Não conseguiu, mas ela sim. Maravilhada com o que ela
fazia, ela esperou. Quando os malabares chegaram ao fim elas se encararam
novamente. Ela sorriu. Recebeu um outro sorriso, diferente do seu. Ela começava
se tornar alguém. Ela pensou “Julia”,
e ela pareceu aprovar.
Emocionada ela se rendeu. Deixou que ela tomasse o controle.
Esticou a mão até a superfície gélida do espelho. Encontrou no lugar uma outra
mão que, carinhosamente, agarrou a sua. Fazendo um pequeno esforço ela puxou.
Saíram os braços, depois a cabeça, o tronco e por fim os pés. Os olhos se
cruzaram, e ela entrou no espelho.
Viu quando ela saiu da sala, só lhe restava esperar. Havia conseguido. Deixado
todas as suas manias de lado, seus hábitos, que ela sempre pensou que fossem
impossível de perder, e cedido lugar a um outro ser. Uma pessoa que fazia parte
dela, que ela criou com base no que já tinha guardado dentro de si, mas que,
para ser perfeito, precisava ter sua própria consciência.
Passaram se algumas horas e ela ouviu os aplausos. Minutos depois a porta se
abriu. E elas se encararam novamente.