quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A Mala.


No banco de trás estava a carga. A mala preta e pesada, o principal motivo de ter cometido o crime, agora estava quase que em seu destino.

A moça ruiva ao volante era apenas a intermediária. Às pressas, tiraram o pacote do prédio e lhe mandaram entregar ao chefe, um homem de terno, sério, como se diz um “homem de negócios”. No momento em que o comandante fez aquela ligação onde, aos berros, ele exigia que lhe trouxessem aquela encomenda, não só ela como também os outros subordinados sabiam no que estavam se metendo.

Todos tinham consciência de que na verdade o que realmente importava era o conteúdo da mala, não era a toa que ela era tão protegida dentro daquele propriedade. Porém, talvez nem todo perceberam que se fosse pega,  ela, somente ela, sofreria as consequências.

Na rádio ela ouvia as notícias sobre o transito, avenidas fechadas e canteiros em obras. Pelos espelhos ela percorria freneticamente os olhos em busca de uma viatura. Quando via radares desviava, e sinais vermelhos não eram respeitados. Ela corria contra o tempo.

Repentinamente, ela percebeu a aproximação de um motoboy fardado. Era a polícia.  Sem hesitar ela acelerou, torcendo para que o mantedor da ordem não a tivesse visto. Faltavam poucos metros para chegar ao destino, ela não podia ser pega.

Como uma voz rasgada ela freou o carro. Retirou a mala, e foi em direção ao destinatário. Suas mãos tremiam e seu corpo inteiro suava de tensão. Ao passar a mala para o engravatado ela suspirou de alivio. Sem dizer uma palavra ele se virou adentrando o aeroporto. A ruiva notou que havia algo escrito em dourado na mala, cerrou os olhos e leu “S.A. Corporation”. Era apenas o nome da empresa de onde a mala foi tirada.

Exausta ela afundou no assento do motorista, pensando em como tivera sorte hoje e em como odiava seu chefe por ele ter esquecido os documentos da viagem. Afinal, hoje era rodízio do seu carro. 

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O Voto.



A voz robótica da repórter anunciava no noticiário:

“Os professores da rede pública entram em greve pela quinta vez esse mês... As filas nos hospitais dobram, neste exato momento, quatro quarteirões e a falta de leitos obriga os pacientes a sentarem nas cadeiras dos médicos e atendentes.... Faltando apenas uma semana para o inicio dos jogos olímpicos a vila olímpica, os hotéis e os ginásios ainda estão por acabar. Os turistas vão se revezando entre acampar em suas próprias barracas e dormir com os feirantes... Foi nos informado agora pouco que acaba de ser descoberto mais um caso de corrupção, ao que tudo indica o Deputado Federal Fausto Corrêa da Silva, popularmente conhecido como Faustão, estava desviando verbas públicas para sua conta bancaria na Suíça. Em entrevista na sua mansão recém comprada, ao lado da Neverland nos EUA, Faustão alegou que todo o dinheiro que desviou iria ser doado ao Criança Esperança. Mesmo com o crescente aumento de seu patrimônio, a policia alegou que não havia provas suficientes para prendê-lo e ele continuará no cargo, podendo se reeleger nas eleições do mês seguinte...”

- JÁ CHEGA! – Gritou um dos homens que acompanhava  o jornal pela TV. – Temos que fazer alguma coisa, nosso país não vai para frente desse jeito.

As poucas almas que estavam na padaria não se manifestaram. Ainda era de madrugada, os poucos trabalhadores que ali estavam tomavam o seu pingando com pão quase que de olhos fechados, e os funcionários ainda trocavam turnos de atendimento para que pudessem dormir. Com os nervos exaltados o homem, subiu na mesa e bateu o pé com força.

- Vamos... Vocês vão ficar parados enquanto o governo rouba o nosso dinheiro? – Em sua mente ele discursava para toda a torcida do flamengo.

Dessa vez parece que sua voz chamou a atenção de alguém, um homem que acabara de entrar na padaria foi até ele. Tirou seu chapéu e o cumprimentou, viviam no mesmo bairro e se conheciam a muito tempo, havia certa amizade.

- Alfredo, você de novo reclamando do governo. – falava o homem, enquanto se sentava numa das cadeiras. – Posso saber afinal em quem você votou nas últimas eleições, hein?



- Ora, Luiz, isso não importa...

- Importa sim! Vamos, diga. Em quem você votou?

- Foi no... no... - Alguns instantes de silêncio. – José Benedito, o homem do povo.

- E quantos candidatos além desse você pesquisou?


- Bem... Alguns. – Alfredo agora respondia timidamente.

- Esta vendo! Todos reclamam, mas na hora de votar são poucos aqueles que procuram saber sobre o candidato e analisam todas as propostas. – A voz de Luiz começava a ganhar força. - Não sei se sabe, mas o tal José em que votou, foi demitido ontem por excessivas faltas ao serviço. O tal “homem do povo” que você elegeu estava era vivendo as custas do povo, isso sim. Se você não quer nem se dar ao trabalho de assistir ao horário político, folheie alguns jornais ou acesse sites de partido na internet, e se não achar nenhum candidato bom, escolha o menos pior ouviu? O MENOS PIOR!

A sensação era que aquele delicioso pão de café da manhã havia murchado. Enquanto Luiz respirava profundamente tentando recuperar o ar que gastou em seu discurso ninguém ousou dizer sequer uma palavra. Sem se despedir ele se virou pronto para sair quando o amigo tocou seu ombro.

- Mas, calma ai Luiz, você votou no mesmo cara que eu lembra? Fomos juntos no dia da eleição.

Desolado Luiz caiu em cima de Alfredo, e entre  os soluços de decepção ele expressava:

- Eu sei Alfredo... Eu sei... Eu só queria o menos pior... O menos pior...

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O Compositor.


“Então é assim que funciona...”, pensou o garoto sentado na escrivaninha do quarto. Pensou por mais alguns instantes, antes de pegar a caneta e começar a escrever. De sua cabeça saiam palavras, parônimas, homônimas, homófonas e homologas, e, se tudo isso não bastasse, ele ainda seria capaz de soprar qualquer outra combinação de letras e formar um novo vocábulo.

A cada dia que passava o garoto descobria novas palavras e aprimorava o seu conhecimento, através das lentes via antônimos e sinônimos por todo o lado. Se questionado sobre outros idiomas soltava palavras em inglês, japonês, italiano, latim e mandarim.  E conforme o turbilhão de palavras girava em sua mente (E também fazia sua mente girar), sua mão comandava um exército de lápis, borrachas e canetas.

Passou-se meses e ele agora tinha completo controle das rimas, ficou maravilhado com a sonoridade que elas causavam conforme eram entonadas pelos poetas. Ouvi-las, declamadas ou cantadas, para o jovem, era como degustar aquela sua sobremesa favorita antes de ter que jantar.

O menino já havia se tornado homem quando resolveu compor. Sentava todas as noites de frente para o seu teclado e, com o violão na mão, criava poesias tão belas quando Vinicius de Moraes. Em suas músicas contava histórias tão boas quanto as epopeias de Homero e  lançava criticas tão pertinentes que, aqueles poucos que ouviam, tinham certeza que Renato Russo havia sussurrado aquelas palavras ao ouvido do homem.

Infelizmente, nada disso fora suficiente para o sucesso como músico. As infinitas palavras aprendidas, as rimas elaboradas e as notas trabalhadas de nada valiam para competir com as atuais canções monossilábicas tocada nas rádios. Porém, foi num dia improdutivo, em que suas composições tinham por si só não mais que três notas e rimas curtas e fora de harmonia, que o senhor sentiu que tinha alcançado a fama.

“Nasce agora, o mais novo hit de verão.”, foi o que o homem, agora velho, pensou quando deixou seu CD na recepção da gravadora.