Dentro do trem encontramos diversas situações incomuns,
desde ciclistas se fingindo de aleijado a aleijados se fingindo de ciclista. Eu
sempre me diverti com isso, ria as escondidas para não “dar bandeira” aos
outros. E foi num dia comum, voltando de uma festa, não tão sóbrio quando eu
gostaria de estar, que presenciei uma dessas conversas de trem que me fez parar
para pensar.
Eu embarquei as pressas, cambaleando e quase caindo, as
portas já estavam se fechando, e acho que fui o último a entrar naquele vagão.
Não estava cheio, mais já não havia mais lugares vazios, encostei-me à porta
ao lado de um dos bancos.
Pensamento vai, pensamento vem e não me lembro de quando
comecei a prestar atenção na conversa de dois senhores ao meu lado, e não sei
se por efeito da bebida até opinar mentalmente eu opinava.
Falavam sobre futebol, não lembro os times, mas estavam
comentando um lance polêmico que provavelmente viram num daqueles programas de
domingo à noite em que vários comentaristas discutem alguma partida.
Pelo que entendi, ou o que a bebida me permitiu entender, um
dos jogadores entrava na área com a bola, o defensor se aproximou para tomá-la
e o atacante simulou um pênalti. O juiz enganado pela atuação do jogador apitou
e apontou para a marca penal.
Discutiam ferozmente sobre o lance, e eu vendo o lance com
outro olhar resolvi entrar na conversa.
- Já pararam para pensar que o lance não é muito diferente
do que vivemos? Os jogadores brigam pela bola como partidos políticos brigam
por votos, e no final quem venceu foi quem melhor soube simular.
Os senhores me encaram por um instante.
- Ignore, é só um desses loucos querendo chamar atenção. – disse
um dos senhores, em alto em bom tom para ter certa de que eu ouviria.
Pensei em continuar a discussão, tentar convencê-los de que
eu não era louco, mas o trem parou. Era a minha estação, havia chegado ao fim a
minha viagem no trem, e dessa vez eu era para eles a situação incomum.
Sai triste, acho que a bebida não cumpriu o papel dela essa
noite, enquanto caminhava para casa me perguntava se aqueles senhores ao menos
haviam percebido que naquele jogo nos não seriamos apenas o juiz, seriamos
também o goleiro.
Concordo. Infelizmente a vida é assim e passamos a maior parte dela tentando mudar para uma melhor posição no campo. Sempre fugindo, sempre buscando.
ResponderExcluir